O Blog Do Mendes

Os Nomes dos Cafés

Publicado em Penas de Pato por miguelaj em February 20th, 2009

Os nomes dos nossos estabelecimentos hoteleiros dizem muito sobre o estado da nossa mentalidade, numa determinada época. Basta olhar para os letreiros dos nossos cafés para intuir que o factor que preside à sua cristanização é sempre um ideal de progresso, uma postura provinciana perante aquilo que é moderno e novo. O provinciano é todo aquele que ama o progresso em todos os seus aspectos externos (formais e acessórios), independentemente do que esse progresso possa representar para a vida práctica. Ora, como o progresso é uma coisa constante da vida, e representa sempre o mesmo em termos essenciais, apenas muda nos seus aspectos visíveis ao olho português. E é precisamente essa parte que parece interessar a quem baptiza os cafés de Portugal. Os letreiros dos nossos estabelecimentos são como que cataventos, que apontam o sentido dos ventos soprados pela modernidade que vem de longe. Existem 4 gerações de cafés. Existe uma 5ª geração, uma espécie de geração zero, uma pré-história do baptismo caféeiro, anterior e exterior a tudo isto. São os cafés culturalmente periféricos. São pequenos negócios de família. Chamam-se Café Barbosa, Café Pereira, Café Central, Café Juventude, Café Estação, Café Artur, e têm nomes correntes e despretensiosos, de uma autitude quase rural perante o progresso: renegando-o. Não pretendem representar nada e os seus nomes são estéticamente ocos. Têm imensa pinta, porque não pretendem ter nenhuma.
 
1ª Geração: Cafés cujo nome remete para os ideais de glamour, pompa, charme, requinte e grandeza da sua época. Numa altura em que o mundo, culturalmente, era europeu. São cafés amplos e de pé direito alto, com cheiro a café acabado de espremer, empregado de laço e suspensórios, camisa de manga curta e bolso com canetas e bloco de notas lá dentro, um vendedor de cautelas cego ao balcão, um pequeno quiosque que vende revistas e chocolates regina, mesmo à entrada. Café Roma, Café Paris, Café Princesa, Confeitaria Presidente, Café Imperial, Café Império, Café Rialto, Café Mónaco, Café Águia Real, Também não é de todo desprezível um apelo ao nosso próprio império: Café Lusitano, Café Douro e, porque não, Café Lisboa.
 
2ª Geração: Entramos na geração dos nomes que pretendem atingir o estatuto de prestígio antravés de trocadilhos inteligentes. São os Cafés com nomes compostos por várias palavras conjugadas. Cafés com grades de cerveja empilhadas, caricas no chão, calendários pirelli, veteranos do ultramar mal dispostos ao balcão,e chiclas pirata e gorila em frascos redondos de plástico. São os Café Katekero, Café Vai-e volta, Café Kátespero, Café Douripão, Café Panitejo, Café Maritó, Café Tómizé. É aqui que aparece pela primeira vez um certo apelo turístico, a louvar as virtudes de um clima que potencia o conceito de esplanada: Café A-ver-o-mar, Café Suave Brisa, Café Miratua.
 
3: Geração. Quando a mundo passa a ser culturalmente americano. Os ventos da modernidade e do ideal de categoria sopram agora desde o outro lado do mar.  Estes cafés já foram baptizados por gente mais “culta” e mais “instruída”, gente com o coração no estrangeiro. São os cafés da geração da TV, do sonho americano, dos filmes de hollywood, do homem na lua, dos livros de banda desenhada e dos índios contra caubóis. É a geração de cafés que formaram a minha própria geração. Cafés com setas, hamburgers e fatias de pizza ultracongelada, panikes, toldos lipton e cadeiras de plástico. Pela primeira vez, os nomes dos estabelecimentos deixam de ser em português e, nos casos de maior requinte, estão mal escritos. Café Hollywood, Café Maiami, Café Havay, Confeitaria Popeye, Café Tropical, Café Asterix, Café Dallas, Café Frog, Café Snoopy, Café No-name, Café Rock, Café Stop, Café Space,
 
4ª Geração. A actual. Com a América na mó-de-baixo em termos de prestígio e pinta, chegamos à tirania da estética do “cool”. Do clean. Do minimal. De milão. De Ibiza. São os cafés com “café” no fim. Lounge Café, fashion café, Cool café, Zen café, VIP café, Silk Café, River Café. Cafés com pouffs espalhados pelo chão e um plasma na parede a emitir o fashion tv 24 horas por dia. O filho do dono dá a cara, é ele o lider espiritual de todo este conceito. O dono, esse, está escondido na copa a contar o apuro e a despachar notas de encomenda. Não se mostra, pois nem sequer sabe pronunciar direito o nome do estabelecimento do qual é proprietário.
 
Nota: Os nomes avançados a título de exemplo são imaginados. Contudo, em alguns casos, coincidem com exemplos reais. Foi sem qualquer intenção. Mas seria impossível evitar essa coincidência.