O Blog Do Mendes

Caixa de Vigo

Publicado em Penas de Pato por miguelaj em December 10th, 2007

Estou aqui parado em frente à casa velha mas não entro. Não quero entrar, nem sequer posso. “Alvará de construção, propriedade da Caixa de Vigo.” Isto agora já não é nosso. Não posso entrar, seria invasão de propriedade privada. Mas também não quero. Mudei muito desde que a minha avó morreu, agora tenho barba e estou bastante mais magro.
Tenho medo que não me reconheça, e não estou para ser corrido à vassourada pela minha própria avó como os barbudos do 25 de Abril. Os barbudos a querer saber quantas divisões tinha a casa e a minha avó de vassoura a enchotá-los como moscas. O 25 de abril, que para nós não existiu a não ser em histórias de barbudos indiscretos e vassouradas.
Agora isto vai ser um banco.
Imagino um trisavô velho, pré-senil, de pijama, gorro de dormir e mau humor, a gritar lá de cima do quarto grande que “qualquer dia entram-nos por aqui os espanhóis”. Á sua volta, vejo tias atarefadas, numa azáfama de lençois e botijas, a dizer “está bem, meu pai, está bem”, com aquela condescendência que as mulheres têm quando tratam dos velhos.
Contudo, o letreiro. (Os velhos têm sempre razão).
Agora vai estar ali um caixa a receber as pessoas, em vez da minha tia “meninos, limpem os pés”. Ali onde a Senhora Adozinda estendia a roupa, as minhas primas vão poder estender os limites dos créditos. Já as estou a ver, acompanhadas de maridos e carrinhos de bebés, a subir rampa acima (concerteza vão pôr uma, de acordo com as normas europeias) a caminho dos seus financiamentos.
Ali atrás é onde faziamos as nossas vendas. Era para juntar dinheiro para cromos do mexico 86, mas ofereciamos a mercadoria toda, o negócio ia abaixo, e depois afixavamos um letreiro que dizia “a generosidade é o primeiro passo para a falência”. Acho que os senhores espanhóis não vão correr esse risco.
Para já só está aqui este letreiro, mas daqui a nada vão ter isto num brinco. A casa é bonita e vai ser, sem dúvia, uma bela inauguração. Será que vêm televisões filmar?
Nem quero ver… O senhor espanhol de tesoura em punho para cortar a fita, depois dos apertos de mão diplomáticos, e o velho

“Vêm aí os espanhóis!”

E a tia

“Meninos, limpem os pés!”

Vai ser uma vergonha… a minha avó a descer as escadas a correr, ofegante e determinada, a ir buscar a vassoura que está, desde que me lembro, pendurada atrás da porta da dispensa.

3 Responses to 'Caixa de Vigo'

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  1. Nelton said, on December 11th, 2007 at 4:05 am

    Ei…Sem avisar que se publica. Penas de Porco.

  2. Peter said, on January 14th, 2008 at 6:33 pm

    bueno bueno, entendi tudo. Essa historia tambem é minha.
    força

  3. Ana said, on January 31st, 2008 at 3:23 pm

    Como diz o Peter,esta história também é minha! Revejo-me em todo o texto, que é maravilhoso! E:
    “a generosidade é o primeiro passo para a falência”, é uma verdade que já vocês, crianças, percebiam!
    Mas não posso chorar….tenho muito que trabalhar, sem a generosidade que vocês referiam…
    Bjs,MENDES, obrigada,
    A BIBI ia adorar

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