Cindy
– “Carlos”, disse-me ele de olhos espelhados e língua aos atropelos, depois de algumas cervejas e muitos cigarros. Apreensão visível.
– “Tu sabes que eu sei que és como um irmão para mim?”
– “Nós somos mesmo irmãos, Alfredo”
– “ah, pois. Mas não é isso…É que preciso de te confiar uma coisa muito grave. Viciei-me numa Sindy, uma brasileira, que me está a levar à ruína. Não sei o que fazer. Limpa-me o graveto todo.”
Eu devia calcular, ao primeiro “Carlos”, que vinha aí coisa séria. Mas não consegui esquivar-me a tempo. – “Conta lá”, disse num suspiro, arrependido por ter mostrado indiferença à conversa do home-cinema com dolby 5.1 que o meu irmão tinha instalado por tuta e meia e que “não fica nada atrás dos de marca”.
– “Tu sabes. Sou casado há sete anos, e a minha vida entrou numa velocidade cruzeiro que não se compadece com o fulgor de um homem de 32 anos, cheio de sangue nas veias. Isso levou-me a fantasiar. Não consegui ceder às tentações. Sabes como é a Cláudia: corpo perfeito, sexo de ir à lua, paciência de madre Teresa, vinca-me as calças na perfeição e leva-me sumo de laranja fresco e “o jogo” à cama. Fecha sempre as pastas dos dentes e escorre os cabelos do ralo da banheira. Em sete anos de casamento, cada vez mais perfeita.”
– “Continua”, Disse.
– “Tudo começou no escritório, com uma colega, a Laura. Metro e meio, anca larga, saia travada e cabelo curto. Comecei a embirrar com os post-its que ela colava no monitor e da maneira como lambia os dedos antes de virar uma página. Começou com umas discussões de nada, e o frisson foi aumentando. Isso levou-me a repensar tudo, Carlos. Descobri que a minha vida é uma pasmaceira de sexo perfeito, mulher linda e sport tv sem luta. Há um mês conheci a Sindy, e foi quando tudo começou. Pernambucana, em Portugal a fazer o politécnico, dão-lhe jeito mais uns cobres por fora. Baixinha, buço platinado e viciada em novelas. Por 50 euros recebe-me em casa dela de chinelos e mau humor. Quer sempre ver a novela, tenho que esgrimir pelo futebol. Serve-me almôndegas frias e passeia-se pela casa com rolos no cabelo. Por mais algum, conta-me o dia dela, com detalhe e relatos de conversas no discurso directo. Ando-me a viciar nesta normalidade. São lacunas que a Cláudia é incapaz de preencher e tu sabes como é, o homem é um bicho insaciável.”
Mostrou-me uma Polaroid da Sindy. Era de facto um susto.
– “Estou-te a acompanhar”
– “Comecei a viciar-me nisto, Carlos. Até já ganho alguns jogos de squash lá com o pessoal do ginásio. Acho que tem a ver com “descompressão”, conceito que eu desconhecia até há bem pouco tempo. Mas depois começou a ganhar contornos doentios. Por mais 20 euros vem a Mónica, uma colega. Discutem uma com a outra. Primeiro eu fico a ver, absorto em êxtase. Depois junto-me à discussão, num delírio de insultos e ameaças de ‘nunca mais’ ”
– Intervim, sabendo que nada detém um homem em brasa, e só o tempo poderia ajudar a ultrapassar esta fase. Ainda por cima comecei a deitar o olho à empregada de mesa. “E os teus filhos? Não pensas neles?” Interpelei, enquanto fitava a empregada feia.
Continuei: – “Tens de te resignar ao teu casamento e aceitar a tua mulher com todas as falhas que ela possa ter. Tens de encontrar um modo de te reveres no teu enlace matrimonial. Afinal, foi esse o compromisso que assumiste há sete anos. Não te podes deixar levar pelo facilitismo da satisfação imediata, isso não te leva a lado nenhum. Há padres. Há psiquiatras. Há help-lines. Há a Fátima Lopes”
Vendi-lhe mais dois ou três chavões e pedi mais duas cervejas e a conta. Paguei eu. A empregada rosnou-me e atirou-me o troco. Agradeci e fui para casa a fantasiar, acometido por uma estranha vontade de mergulhar no desconhecido.