Readers Digest (por António Zambujo)
A primeira vez que uma música minha é gravada por outrem. E logo que outrem: o António Zambujo, que para mim é um dos maiores cantores do mundo. E não sou só eu que o digo:
“…ouvir o CD do António Zambujo me prendeu à necessidade de ouvir de novo, de novo e de novo. Esse mesmo desejo senti quando Moreno me mostrou Buika cantando Mi Niña Lola. Quero ouvir muito, mais vezes, mais fundo. No caso do Zambujo, muito mais ainda. É a língua portuguesa. É a história do fado. É o fato de eu ter sempre só gostado de cantoras de fado, nunca verdadeiramente de cantores. (…)Admiro os fadistas homens, mas nunca cheguei a amar-lhes o canto. Fado para mim era cantado por mulher. Desde Ester de Abreu, da minha infância, até Mariza: mulheres, sempre mulheres.
Não é que o Zambujo me pegou de jeito? Há nele dois elementos que – para além do prazer imediato de ouvir-se uma voz naturalmente musical e relaxada – compõem para mim um grande passo: que seja um homem a cantar fado tão lindamente – e que o diálogo com a música brasileira se apresente tão orgânico, já não-pensado, já resultante de forças históricas que vêm se expandindo há décadas. O disco de Teresa Salgueiro é belo e emociona (finalmente com Carlos Lyra no destaque que merece). A atitude programática de Eugénia de Melo e Castro foi e é tocante, além de desbravadora. Mas o que se ouve em Zambujo é algo já que vai mais fundo. É um jovem cantor de fado que, intensificando mais a tradição do que muitos de seus contemporâneos, faz pensar em João Gilberto e em tudo que veio à música brasileira por causa dele.
Quando Zambujo canta “Nem às paredes confesso”, vamos ao fundo do fado e, ao mesmo tempo, sentimos a cultura da bossa nova e da pós-bossa nova já na corrente sangüínea da canção portuguesa. Quando ele canta um Vinicius com Antônio Maria (esse seu xará com acento circunflexo), a composição soa enfaticamente “moderna” e americanizada, embora o tratamento seja de fado. E o mais incrível é que “Lábios que beijei” não soa menos americanizada e “moderna” do que aquela. Não pelo arranjo, que é fadista, mas pelo Brasil que há ali. É de arrepiar e fazer chorar. Sentimos a força da cultura de língua portuguesa – aquela que, afinal de contas, mais me interessa (…)”
Caetano Veloso, in “Obra em Progresso”, Outubro de 2008
Reader’s Digest
Quero a vida pacata que acata o destino sem desatino
Sem birra nem mossa, que só coça quando lhe dá comichão
À frente uma estrada, não muito encurvada atrás a carroça
grande e grossa que eu possa arrastar sem fazer pó no chão
e já agora a gravata, com o nó que me ata bem o pescoço
para que o alvoroço, o tremoço e o almoço demorem a entrar
quero ter um sofá e no peito um crachá quero ser funcionário
com cargo honorário e carga de horário e um ponto a picar
vou dizer que sim, ser assim assim, assinar a reader’s digest
haja este sonho que desde rebento acalento em mim
ter mulher fiel, filhos, fado, anel, e lua de mel em frança
abrandando a dança, descansado até ao fim
quero ter um t1, ter um cão e um gato e um fato escuro
barbear e rosto, pagar o imposto, disposto a tanto
quem sabe amiude brindar à saude com um copo de vinho,
saudar o vizinho, acender uma vela ao santo
quero vida pacata pataca gravata sapato barato
basta na boca uma sopa com pão com cupão de desconto
emprego, sossego, renego o chamego e faço de conta
fato janota, quota na conta e a nota de conto
vou dizer que sim ser assim assim assinar a reader’s digest
haja este sonho que desde rebento acalento em mim
ter mulher fiel, filhos, fado, anel, e lua de mel em frança
abrandando a dança, descansado até ao fim
António Zambujo: voz
Ricardo Cruz: contrabaixo
Carlos Manuel Proença: Viola
Bernardo Couto: Guitarra Portuguesa
Disponível a partir de 14 de Abril de 2010, no disco “Guia”, editado em vários países pela editora “Hamonia Mundi”.
Obviamente que não posso disponibilizar a música para download, mas aqui está ela para ser ouvida em streaming:
(No player da barra direita deste blog podem ouvir a minha versão. Gravada no quarto, de pijama, em estado de ligeira ressaca matinal, longe de imaginar que iria figurar num disco onde desfilam autores como Vinicius de Morais, Rodigo Maranhão, João Monge, etc, numa versão interpretada por estes monstros que lhe conferem toda uma dignidade jamais imaginada pelo autor)
Isaura
é sal, imensa água
que teima em nos separar
o leito da minha mágoa
vai engrossando o mar
ai isaura, eu ainda nao exauri
todo o sentimento que tenho por ti
isaura foste a primeira
do meu pobre coração
segue o teu porta-bandeira
vai na tua procissão
vai isaura, que o Carnaval já passou
o meu sentimento, não
navegar é preciso
no mar dos teus caracóis
nas ondas do teu sorriso
na esteira dos teus lençois
nas ondas da tua saia
eu preciso me afogar
mas sei que vou morrer na praia
por não enfrentar o mar
quando a estação derradeira
da vida me quiser me levar
e a manhã de quarta feira
em cinzas me tranformar
a poeira que do meu corpo restar
fica para sempre na areia
o resto, engrossou o mar
download (clicar no botão direito do rato e escolher “save target as” ou “guardar destino como”)
Companhia Fantasia
COMPANHIA FANTASIA
nós somos os cantores
da companhia fantasia
vivemos na fantasia de que seremos um dia
a tua companhia
a tua companhia
e de quem está em sintonia
com a sua própria companhia
Fantasia!
num pedaço do meu rosto vê-se o traço
de um palhaço pobre
mas debaixo desse traço há um fundo falso
que esse traço encobre
o do palhaço triste
que insiste em disfarçar que lá por baixo
outro palhaço existe
o palhaço aprendiz
que aprendeu a aceitar que por um triz
ele era o palhaço feliz
e bis
nós somos os cantores da companhia
fantasia…
download (clicar no botão direito do rato e escolher “save target as” ou “guardar destino como”)
Desdita
DESDITA
Desdita
Ouvi da minha desdita
Certo dia em que eu passei
Numa ruela tão estreita
Onde fica, já nem sei
Calhou de estar à janela
Nessa dia àquela hora
A criatura tão bela
Que naquela casa mora
Delicada de cintura
E com setas no olhar
Viu-me naquela figura
E a sorrir mandou-me entrar
Nesse dia a mesma hora
Não chegou pelo jantar
O fiador da cidade
Lá o foram procurar
Veio dar ao pé rio
Sem roupas, sem cor, desfeito
Com as vergonhas de fora
E três facadas no peito
Por nunca ter um tostão
Fui o primeiro suspeito
Fui nomeado vilão
Naquele golpe perfeito
E logo de manhazinha
Ao juiz eu fui chamado
E qual não foi o meu espanto
Eu já lá tinha estado
Era aquela tal ruela
Estreita como a minha sorte
Sem ter ninguém à janela
Desta vez bati à porta
Sem nada que desculpasse
Obra que eu não assinei
Fosse qual fosse o desfecho
Nada tinha contra a lei
O meu alibi ficou preso
Num nó da minha garganta
Sei que se põe à janela
Se houver sol, ainda canta
download (clicar no botão direito do rato e escolher “save target as” ou “guardar destino como”)
3 Vídeos
Da estreia do “projecto mendes” ao vivo. Eu achava que mendes era uma alcunha. Sucede que é um projecto, o “projecto mendes”. Obrigado a todos os que compareceram, e ao André é à Júlia, que filmaram estes excertos.
(P.S: o concerto que ia haver na próxima sexta, dia 3 de Julho no Breyner 85, foi adiado. Vai ser num Domingo à tarde, ainda não sei qual. “Matiné com Mendes”, assim será.)
ANDA COMIGO VER OS AVIÕES (c/ o Salsa)
READER’S DIGEST
COSTUREIRINHA DA SÉ (c/ o João Vaz)
Eu Ao Vivo
Meninas e meninos, vou tocar ao Passos Manuel nesta quinta-feira. É a uma hora decente (22h) e a um preço muito jeitosinho (5€).
Apareçam!
Mendes
Os Nomes dos Cafés
Os nomes dos nossos estabelecimentos hoteleiros dizem muito sobre o estado da nossa mentalidade, numa determinada época. Basta olhar para os letreiros dos nossos cafés para intuir que o factor que preside à sua cristanização é sempre um ideal de progresso, uma postura provinciana perante aquilo que é moderno e novo. O provinciano é todo aquele que ama o progresso em todos os seus aspectos externos (formais e acessórios), independentemente do que esse progresso possa representar para a vida práctica. Ora, como o progresso é uma coisa constante da vida, e representa sempre o mesmo em termos essenciais, apenas muda nos seus aspectos visíveis ao olho português. E é precisamente essa parte que parece interessar a quem baptiza os cafés de Portugal. Os letreiros dos nossos estabelecimentos são como que cataventos, que apontam o sentido dos ventos soprados pela modernidade que vem de longe. Existem 4 gerações de cafés. Existe uma 5ª geração, uma espécie de geração zero, uma pré-história do baptismo caféeiro, anterior e exterior a tudo isto. São os cafés culturalmente periféricos. São pequenos negócios de família. Chamam-se Café Barbosa, Café Pereira, Café Central, Café Juventude, Café Estação, Café Artur, e têm nomes correntes e despretensiosos, de uma autitude quase rural perante o progresso: renegando-o. Não pretendem representar nada e os seus nomes são estéticamente ocos. Têm imensa pinta, porque não pretendem ter nenhuma.
1ª Geração: Cafés cujo nome remete para os ideais de glamour, pompa, charme, requinte e grandeza da sua época. Numa altura em que o mundo, culturalmente, era europeu. São cafés amplos e de pé direito alto, com cheiro a café acabado de espremer, empregado de laço e suspensórios, camisa de manga curta e bolso com canetas e bloco de notas lá dentro, um vendedor de cautelas cego ao balcão, um pequeno quiosque que vende revistas e chocolates regina, mesmo à entrada. Café Roma, Café Paris, Café Princesa, Confeitaria Presidente, Café Imperial, Café Império, Café Rialto, Café Mónaco, Café Águia Real, Também não é de todo desprezível um apelo ao nosso próprio império: Café Lusitano, Café Douro e, porque não, Café Lisboa.
2ª Geração: Entramos na geração dos nomes que pretendem atingir o estatuto de prestígio antravés de trocadilhos inteligentes. São os Cafés com nomes compostos por várias palavras conjugadas. Cafés com grades de cerveja empilhadas, caricas no chão, calendários pirelli, veteranos do ultramar mal dispostos ao balcão,e chiclas pirata e gorila em frascos redondos de plástico. São os Café Katekero, Café Vai-e volta, Café Kátespero, Café Douripão, Café Panitejo, Café Maritó, Café Tómizé. É aqui que aparece pela primeira vez um certo apelo turístico, a louvar as virtudes de um clima que potencia o conceito de esplanada: Café A-ver-o-mar, Café Suave Brisa, Café Miratua.
3: Geração. Quando a mundo passa a ser culturalmente americano. Os ventos da modernidade e do ideal de categoria sopram agora desde o outro lado do mar. Estes cafés já foram baptizados por gente mais “culta” e mais “instruída”, gente com o coração no estrangeiro. São os cafés da geração da TV, do sonho americano, dos filmes de hollywood, do homem na lua, dos livros de banda desenhada e dos índios contra caubóis. É a geração de cafés que formaram a minha própria geração. Cafés com setas, hamburgers e fatias de pizza ultracongelada, panikes, toldos lipton e cadeiras de plástico. Pela primeira vez, os nomes dos estabelecimentos deixam de ser em português e, nos casos de maior requinte, estão mal escritos. Café Hollywood, Café Maiami, Café Havay, Confeitaria Popeye, Café Tropical, Café Asterix, Café Dallas, Café Frog, Café Snoopy, Café No-name, Café Rock, Café Stop, Café Space,
4ª Geração. A actual. Com a América na mó-de-baixo em termos de prestígio e pinta, chegamos à tirania da estética do “cool”. Do clean. Do minimal. De milão. De Ibiza. São os cafés com “café” no fim. Lounge Café, fashion café, Cool café, Zen café, VIP café, Silk Café, River Café. Cafés com pouffs espalhados pelo chão e um plasma na parede a emitir o fashion tv 24 horas por dia. O filho do dono dá a cara, é ele o lider espiritual de todo este conceito. O dono, esse, está escondido na copa a contar o apuro e a despachar notas de encomenda. Não se mostra, pois nem sequer sabe pronunciar direito o nome do estabelecimento do qual é proprietário.
Nota: Os nomes avançados a título de exemplo são imaginados. Contudo, em alguns casos, coincidem com exemplos reais. Foi sem qualquer intenção. Mas seria impossível evitar essa coincidência.
Mail do Blogdomendes
Olá caro(a) leitor(a):
Reparei que não havia forma de chegar à fala com o V/ blogger. Já aplaquei o erro:
Qualquer coisinha, é só dizer.
Exultai
Miguel Araújo Jorge
(Mendes)
Canção Caubói
No algarve, terra de coboiadas, há uma placa de auto-estrada que lê o seguinte:
“FARO-ESTE”
Canção Caubói
ouve só os planos que eu tenho para ti
tardes lentas, faro-este (quase Tenessee)
os dois hipnotizados no espiral da tumbleweed
tu no meu alpendre, seca de poeira
embalada pelo swing do balanço da cadeira
ao som duma canção caubói que eu tenho para ti
sing-a-long
ding-a-lin’
Ride on, ride on
With this poor, lonesome cowboy
And this cowboy song
o crepitar da lenha fumegando ao lume
bafo de jack daniels e nodoas de estrume
uivos de lobo e lendas de mohawk
enquanto tu me estragas com mimos e biscoitos
aproveito para limpar o cano da minha 0.38
e assobio esta canção caubói, mais certeira que bodóque
sing-a-long
ding-a-ling
Ride on, ride on
With this poor, lonesome cowboy
And this cowboy song
download (clicar no botão direito do rato e escolher “save target as” ou “guardar destino como”)
Matérias do Coração
MATÉRIAS DO CORAÇÃO
Nada de novo no telejornal
Mais desemprego no nosso quintal
Um homem gasto pela inflação
Morreu com um ataque de informação
Já nada resta do que era de mim
Ha tanto tempo que eu nao sei de ti
E eles não passam na televisão
Destas matérias do coração
Estouros, incendios, inundações
Epidemias e explosões
Soam banais, em comparação
Com estas matérias do coração
A locutora nem quer saber
Do meu amor, que já não me quer
O mundo descamba em informação
Alheio às matérias do coração
Dois continentes que se davam mal
Chegaram a acordo no telejornal
Fizeram as pazes NA televisão
Eu e o meu amor é que não
Desastres, incendios, inundações
Epidemias e explosões
Meros eventos sem dimensão
Ao pé das matérias do coração
O presidente falou pra naçao
Mas eu nao estou em sincronizaçao
Onde é que se desliga o botão
Destas matérias do coração
download (clique com o botao do lado direito e faça “save target as / guardar destino como”)